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Entre Taças e Sabores: A Arte da Harmonização no Nucci Restaurante

por Cristina Rodrigues

A gastronomia e enologia caminham lado a lado, compondo uma experiência sensorial que vai muito além de simples comer e beber. No Nucci Cozinha Contemporânea Europeia, restaurante do Grupo OE, onde além da gestão, também atuo como sommelière, tive a honra de participar desse projeto lindo com o talentoso chef Moisés Batista na criação de um cardápio que celebra essa união.
A ideia central foi harmonizar cada prato com vinhos cuidadosamente selecionados da nossa carta, elaborada para ressaltar sabores e garantir uma experiência enogastronômica memorável.

Logo de entrada, quisemos surpreender com o croquete de bacalhau, alcaparras, gema e tobiko. A gordura do bacalhau e a textura envolvente do recheio pediam um espumante extremamente seco, que limpasse o paladar e realçasse o sabor salino do peixe. Escolhi o Casa Valduga Premium Brut Nature: elaborado pelo método tradicional (fermentado na própria garrafa), ele apresenta acidez marcante e um toque sutil de fermento/pão tostado. O resultado foi uma combinação vibrante e equilibrada, pois o espumante não adiciona dulçor ao prato e, ao mesmo tempo, enaltece a untuosidade do bacalhau.

Em seguida, temos o risoto de camarões grelhados com purê de abóbora defumada, agrião fresco e raspas de limão. Minha proposta foi buscar um branco de corpo médio, com boa acidez e nuances ligeiramente tostadas que pudessem interagir bem com o defumado da abóbora sem roubar a cena dos camarões. O Ted The Mule Branco, um corte de Chardonnay e Viognier da França, cumpre esse papel de forma primorosa: fermentado em tanques de aço inoxidável, oferece aromas frutados e florais, com discretos toques amanteigados e de avelã. Na boca, exibe acidez vibrante, realçando tanto a cremosidade do risoto quanto o sabor delicado dos camarões, enquanto as notas florais brincam com a refrescância do agrião e das raspas de limão.

Para o steak tartare moderno de filé mignon — temperado com picles de pepino, molho de ostra, salsinha e servido com spaghetti frito e aioli cítrica — a opção foi sair do óbvio e propor um rosé. A carne crua harmoniza melhor com vinhos de taninos suaves ou quase inexistentes, pois taninos e proteínas não cozidos tendem a conflitar. O Ted The Mule Rosé, também francês, elaborado com Grenache e Cinsault, traz acidez equilibrada e notas de frutas vermelhas. Esse frescor interage muito bem com o toque ácido dos picles e o toque salgado do molho de ostra, enquanto a leveza do rosé permite apreciar a crocância do spaghetti frito sem ofuscar a delicadeza da carne.

Nos pratos principais, um dos grandes destaques é o cupim cozido em baixa temperatura, prensado e laqueado em demi-glace, acompanhado de raviolis recheados com stracciatella de búfala e fonduta de parmesão. Por ser um preparo denso, gorduroso e intensamente saboroso, precisávamos de um tinto de corpo médio a encorpado, mas sem exageros. O Freixenet Chianti DOCG, à base de Sangiovese, entrega justamente esse equilíbrio: tem boa acidez para “cortar” a untuosidade do cupim e taninos moderados para lidar com a potência do demi-glace. Ainda assim, não sobrecarrega a sutileza do recheio de queijo de búfala, proporcionando harmonia e elegância no conjunto.

E, para finalizar, o momento mais doce da experiência pede uma escolha igualmente especial. O bolo de fudge 50%, sorvete de chocolate 70%, praliné de amêndoas, crumble de cacau, castanha de caju e calda quente de chocolate formam uma sobremesa rica em texturas e diferentes níveis de dulçor e amargor. O Taylor’s Ruby Port brilha aqui: é um vinho do Porto jovem e vibrante, com dulçor presente, mas equilibrado por notas de frutas vermelhas maduras, o que contrasta deliciosamente com o amargor do chocolate 70%. O aquecimento alcoólico, junto do sabor intenso do cacau, cria um fim de refeição envolvente, daqueles que ficam guardados na memória.

Acredito que essa seleção de vinhos evidencia como a harmonização pode transformar completamente a percepção de cada ingrediente. É uma dança sutil em que o vinho não deve se impor ao prato, mas também não pode desaparecer. A busca é sempre pelo equilíbrio: quando a garfada se encontra com o gole, queremos que surja uma nova dimensão de sabor. Espero que essas combinações façam com que cada convidado se sinta parte de uma experiência enogastronômica completa, em que se degusta não só o que está no prato e na taça, mas toda a paixão de quem cria, cozinha, escolhe e serve.

Imagens: LCD Produções