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Cumprimente-me de novo, por favor!

Quando alguém não corresponder ao seu sorriso ou aceno, quando uma criança ou adolescente demonstrar dificuldade de leitura, escrita, concentração, desinteresse pelos estudos, quando ouvir queixas de fortes dores de cabeça, intolerância a luz, coçar ou esfregar os olhos de forma desesperadora, não julguem, procurem o mais rápido possível ajuda médica.  Essa pessoa pode ser portadora de ceratocone, assim como eu.

Você já ouviu esse nome? O ceratocone atinge cerca de 0,5% da população mundial e em torno de 2% da população brasileira. Somos raros! Descobri o ceratocone há mais de 30 anos e desde então convivo com a missão de “ter uma vida normal”. Sempre tive medo de que a minha condição fosse empecilho para possíveis mudanças na forma de me enxergar. Já asseguro a todos os leitores: ceratocone não é uma doença contagiosa. Ela passa despercebida, inclusive pelas autoridades encarregadas de buscar melhorias para os portadores.

A patologia afeta a estrutura da córnea, não necessariamente nos dois olhos. Segundo o Ministério da Saúde a doença se manifesta mais entre 10 e 25 anos, mas pode progredir até a quarta década de vida ou estabilizar-se com o tempo. A enfermidade atinge cerca de 150 mil pessoas por ano no Brasil e pode atingir os dois olhos de maneira assimétrica, ou seja, o distúrbio pode afetar mais um olho que o outro. Sua principal característica é a redução progressiva na espessura da parte central da córnea, que é empurrada para fora, formando uma saliência com o formato aproximado de um cone, isso justifica o nome. Estudos afirmam que a origem é genética, rara e de caráter hereditário. Na minha família eu fui a única premiada, por isso, e por tudo que já estudei sobre a doença, o bom mesmo é não afirmar nada porque ela sempre surpreende. Ainda não se conhece a causa exata do progresso da doença e o porque de uns portadores adquirirem um grau mais brando e outros mais avançado. Eu costumo pensar que é questão de sorte (porque se você for justificar tudo o que lê e comparar sua situação com a de outros portadores você não fará outra coisa na vida).

Estou caminhando para três décadas desde que descobri a doença. Se eu fosse relatar tudo que passei daria um livro. Naquela época cheguei a me consultar com oftalmologistas que desconheciam a doença, outros afirmaram convictamente que eu não era portadora, outros me deram um diagnóstico positivo, mas, não sabiam como tratar. Eu perdi dinheiro, confiança, amigos e perdi tempo, isso é o que mais lamento.

Felizmente esbarrei em um colega (no antigo Orkut), gaúcho de Porto Alegre que me forneceu o contato de uma médica cearense. Essa profissional fez total diferença em minha vida. Acreditem, eu já estava na fila para o transplante, com data marcada para os primeiros procedimentos. Ali foi uma virada de chave. Para quem não sabe, o transplante é a última das alternativas médicas para melhorar a visão de um indivíduo portador de ceratocone. Quando eu fui diagnosticada, as alternativas eram ínfimas, os médicos especialistas também. Hoje, felizmente a realidade é outra. A tecnologia tem caminhado a nosso favor e as possibilidades antes de optar pelo transplante de córnea só aumentam.

Então, caro leitor, você pode estar se perguntando: o que foi que deu nela para vir contar sua história? O primeiro motivo é saber que quanto mais se falar, mais conhecimento será disperso e mais pessoas podem ser beneficiadas; o segundo é o mês de junho. Durante todo o mês junino também acontece a campanha “junho violeta”, o objetivo maior é esclarecer e prevenir a doença; o terceiro é para os meus amigos “ceratoconeanos” que descobriram o diagnóstico recente ou mesmo os que já convivem com a doença. Façamos de conta que o ceratocone é uma de nossas inúmeras particularidades e nós precisamos aprender a conviver com ele. Não é fácil, mas é possível. Buscar ajuda médica e não coçar os olhos (nunca mesmo) são os principais conselhos, (tenho mais caso haja interesse).

Termino como comecei. Não julgue! Se um alguém que você cumprimentou não te respondeu com a mesma empolgação, não risque da sua lista de contatos, não a rotule como mal educada, antipática e por aí vai. Talvez, assim como eu, ela tenha ceratocone. Se o seu filho caiu ladeira abaixo no desempenho escolar, não julgue, procure o oftalmologista. Um portador de ceratocone precisa conhecer a doença e os tratamentos, precisa de um bom médico e o Brasil precisa acordar do sono profundo em que vivi em relação aos portadores que precisam de orientação, ajuda e acompanhamento. Então amigo, se eu passei e não te cumprimentei, não esquenta não, foi só o meu ceratocone. Cumprimente-me de novo, por favor!

Márcia Rios

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