Atual secretária dos Direitos Humanos do Ceará, com quase 60 anos de atuação no serviço público, dos quais 48 anos foram dedicados ao Ministério Público do Ceará, Socorro França sempre esteve à frente do seu tempo, quando o difícil ela tornou viável e o impossível, realizável.
Imagine uma mulher que está sempre pronta a dar saltos e alçar vôos… Essa é a Socorro França, um das convidadas especiais a revelar para a Revista Acontece e seus leitores, no Mês Internacional da Mulher, uma árdua história de vida que, ao mesmo tempo, é plausível pelo jeito e perfil de ser da reconhecida entrevistada: determinada, guerreira, forte e decidida.
São oito décadas bem vividas! Nascida na cidade de São Luís do Maranhão, ainda menina descobriu a profissão que daria sentido a todas as suas lutas e fazia jus à vontade intrínseca de ajudar ao próximo. “Em frente a casa que eu morava funcionava o Tribunal de Justiça e Fórum, certo dia eu consegui entrar. Eu tinha uns dez anos naquela época. Já sabia que era dia de júri por conta do número de pessoas aglomeradas. Lembro como se fosse hoje! Escapei dos soldados com suas fardas cáqui, adentrei o plenário e assisti um promotor de justiça fazendo uma acusação. Eu me encantei tanto, fiquei paralisada com a cena. A partir daquele momento eu marquei o meu propósito nessa vida, quero ser promotora de justiça”, rememora Socorro com um olhar saudoso e alegre.
A Religião
Advinda de uma família católica, ela sempre buscou os ensinamentos da igreja e participava dos movimentos voltados para o catolicismo. Dom José Delgado e Dom Fragoso foram religiosos que contribuíram de maneira salutar e imensurável para a formação moral da então menina Socorro. Aos 15 anos ela entrou para JEC (Juventude Estudantil Católica) e mostrou o seu poder de fala. “Eu fui presidente da JEC. Fiz movimentos em todas as escolas, para alunos do ginásio e o do científico (antigo ensino fundamental e médio), eu sempre gostei de fazer as coisas acontecerem”, explica.
A Ditadura Militar
Socorro França viveu os anos duros da Ditadura Militar no Brasil. Em 1964 o exército passou a comandar todo o país, os grupos de ação católica deixaram de existir. Veio o casamento com José Maria Ribeiro Pinto e a mudança para Fortaleza. “Quando eu comecei a estudar, no Brasil a mulher era considerada relativamente incapaz, ou seja, você só podia fazer algo na vida civil com a anuência do marido, se casada fosse, ou do pai”, ressalta a entrevistada para informar à Acontece quão submissa era a situação da mulher naquela época. Situação que ela não entendia e não aceitava.
A Vida no Ceará
Em solo alencarino, ela concluiu o curso de Direito e continuou sua luta dentro dos movimentos estudantis. “Eu lutei, lutei muito. Sofri preconceito por ser do Maranhão, mas eu consegui. Fiz a prova e passei em primeiro lugar para promotoria de justiça do Ceará”. Estava lá, uma mulher trabalhando em um universo comandando por homens. Socorro trabalhou em diversos municípios cearenses e sua memória detalhista carrega lembranças e ensinamentos valorosos.
Socorro França e Família
Quanto à vida pessoal, ela também comemora muitas dádivas. Casada há 57 anos, mãe de 4 filhos, Geraldo, Paulo Afonso, Alexandre e Joseana França. Dessa geração, saíram sete netos e um bisneto. Socorro agradece as graças alcançadas e a oportunidade de ter ajudado, com o seu trabalho, muitas pessoas do Estado do Ceará.
Dos filhos citados aqui, a Revista Acontece destaca Joseana que acompanhou atentamente à nossa entrevista especial, no suntuoso e aconchegante lar dos seus pais. Era fim de tarde e o tempo anunciava chuva, na Praia de Iracema, um dos cartões postais da Terra da Luz.
Joseana França é única filha mulher e, também, a que seguiu os passos da mãe, por quem tem muito amor e orgulho. Hoje, a filha é titular de uma promotoria de combate à violência doméstica e coordenadora do Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência (NUAVV) do Ministério Público do Estado do Ceará.
“Ser mulher é tudo o que eu sou, é toda a minha existência. Ser mulher é lutar, é buscar o seu espaço. Nós temos que caminhar conforme os nossos propósitos, não baixar a cabeça. Se eu tiver que reencarnar eu quero voltar e fazer tudo o que eu fiz”.
A Luta pela Inclusão Social
“Eu sempre lutei pela inclusão, pelo respeito a nossa negritude, aos povos indígenas, aos quilombolas, sempre busquei uma igualdade racial. Quando secretária da Proteção Social criei o Centro de Referência LGBT”.
Ela não veio a passeio
Socorro França é mesmo uma mulher estimulante. Ela passeia, de salto alto, por dois extremos. Ao passo que demonstra uma elegância ímpar, uma firmeza na voz e muita propriedade em tudo que fala, ela também demonstra uma ternura no olhar, um sorriso que cativa e uma sede por justiça social, sempre inserida em grandes lutas contra a discriminação por motivo de classe social, raça, cor, etnia, religião, orientação sexual ou identidade de gênero.
Hoje ela atua como secretária dos Direitos Humanos do Ceará. Sobre a atual função ela faz o seguinte comentário, “Faço o que sempre quis fazer. Sempre acreditei que a dignidade da pessoa humana está acima de tudo. Os pilares dos Direitos Humanos hoje são: a liberdade, igualdade e a dignidade humana. Sempre sonhei com um mundo melhor, desde cedo eu lutei pela visibilidade das pessoas, pela igualdade das pessoas, respeitar as diversidades e saber que todas as pessoas são dignas de oportunidade. Liberdade, vez e voz para todos”, frisa.
A Formação
Mestra em Direito Público, com três graduações. Socorro soma quase 60 anos de atuação no serviço público, dos quais 48 foram dedicados ao Ministério Público do Ceará, onde foi procuradora-geral de Justiça por cinco mandatos. Também no Ministério Público, presidiu o Grupo Nacional dos Direitos Humanos (GNDH) por quatro anos. Foi presidente do Conselho Nacional de Procuradores Gerais – Região Nordeste, fundadora e coordenadora-geral do Programa Estadual de Proteção e Defesa do Consumidor (Decon). Chegou à fundar e presidir o Conselho de Direitos Humanos do Ceará. Participou do 1º Conselho Nacional de Defesa do Consumidor. Teve outras passagens relevantes pelo Poder Executivo estadual, entre elas foi ouvidora-geral do Estado, secretária de Políticas sobre Drogas, secretária da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário, secretária de Justiça e Cidadania e secretária de Proteção Social, Justiça, Cidadania, Mulheres e Direitos Humanos, além de ter participado do conselho gestor da Agência Reguladora do Estado do Ceará (Arce).
A Trajetória
Ao longo de sua larga trajetória, Socorro França foi agraciada com diversas condecorações, dentre elas: Medalha do Mérito Judiciário Cearense (Tribunal de Justiça do Ceará – 1997-1998, durante presidência do desembargador José Maria de Melo), Medalha do Mérito Judiciário Maranhense – Antônio Rodrigues Vellozo (Tribunal de Justiça do Maranhão – 2004), Grande Medalha “Presidente Juscelino Kubitschek” (Governo de Minas Gerais – 2009) e Medalha da Abolição (Governo do Ceará – 2020-2022). Foi congratulada com os títulos de cidadã fortalezense e cidadã cearense, além de dezenas de outros títulos de cidadania de municípios do interior do Estado.
Sobre administrar casa, trabalho e família
Todos os dias são concorridos para Socorro França que se divide entre família, trabalho, eventos e academia, porque ela também é fitness! Sáude, qualidade de vida e bem-estar estão no cotidiano da secretária de Direitos Humanos do Ceará.
“Não é fácil. A mulher precisa de um gerenciamento inimaginável. Eu não perco o norte de aproximação da família. Todo domingo eu faço o almoço em família, tem conversa, tem discussão, cada um conta sobre a semana. Eu organizo a minha rotina, os meus compromissos e com isso administro o meu tempo. Se você organizar, dá certo”, pontua Socorro França.
Ao conhecerem todo o percurso feito pela mulher destemida, sem rótulos e tabus, os leitores chegam a conclusão que tudo relatado aqui, merece virar livro e, por que não dizer, um filme. A entrevistada que é abençoada até no nome, parece que nasceu e se criou com o pensamento de uma das escritoras mais importantes do século XX chamada Clarice Lispector: “o destino de uma mulher é ser mulher”. É o que Socorro França faz até hoje. Essa sim! É mulher de verdade, sim senhor!